Afinal, o que é Educação para o pensar?
Há mais de 10 anos, a Profa. Reiko Isuyama me fez a seguinte pergunta:
– Ana, o que você faz quando pensa?
Cric-cric-cric.
Silêncio absoluto.
Mas muitas frases passavam pela minha cabeça, como: “resolvo um problema”, “aprofundo uma ideia”, “meu cérebro é ativado através de conexões....”. “Ai, pense, Ana Helena!”. Nenhuma delas explicava satisfatoriamente o que eu fazia quando pensava. Eu não me arriscaria em dizer as frases para a professora, que continuava me olhando com toda a tranquilidade do mundo. “O que ela pensará de mim? Estou terminando o doutorado em física. Durante quatro anos, só fiz pensar. Quatro não, seis anos, contando o mestrado. Não, onze, se contar a graduação. Na verdade, onze não, vinte, se for contar o período escolar... Ih, será que eu pensava antes de entrar na escola? Claro que sim, Ana Helena. Então, quem me ensinou a pensar? Será que nascemos sabendo? Nasço, logo penso? Ai, meu Deus....”.
E foi esse um dos meus primeiros contatos com genialidade da professora Reiko!
Não era possível enganá-la com retórica furada (e eu sou péssima nisso), apenas explicações simples a satisfaziam, e o seu olhar generoso estava sempre a serviço de compreender os caminhos da minha razão, nunca para me constranger.
Em outro momento conto mais sobre a minha experiência com a professora Reiko, porque agora quero compartilhar com vocês o que aprendi com ela sobre o ato de pensar.
Depois de algum tempo e treinamento, entendi que pensar é, na verdade, um conjunto de ações, quase automáticas e que, em geral, não nos é ensinado na escola de maneira sistemática.
Quando a professora na escola dizia: “pense!” ou “pense mais um pouquinho para descobrir a resposta”, ou outras orientações similares, o que ela desejava que fizéssemos exatamente? Com o tempo, descobrimos sozinhos esses caminhos, os caminhos do nosso jeito de pensar. E, assim, vamos aplicando, aplicando, aprimorando como pensamos e continuamos aplicando e aprendendo, mas não nos é dito o que exatamente devemos fazer. Simplesmente o fazemos.
E isso não bastaria já que ao final estamos pensando?! Para entender o meu ponto de vista, proponho um exercício.
Suponha que você conheça apenas um tipo de caixa e que precise guardar objetos de diferentes tamanhos e formatos dentro dela. Objetos muito pequenos deslizam dentro da caixa. Objetos que não tem o formato da caixa não se acomodam. E os objetos maiores, então? Simplesmente, não entram. São muitos objetos grandes fora das caixas. Um dia, alguém lhe diz que sabe construir caixas. E mostra para você, desde o tamanho adequado do papelão, as dobras que devem ser feitas, os cortes com a tesoura, até a montagem das caixas, e pronto. Eis as caixas! Você aprendeu o processo e reproduz algumas caixas para certificar-se de que sabe construí-las. Logo percebe que, se pegar um papelão menor, conseguirá fazer caixas menores, que acomodarão melhor os objetos pequenos. Puxa! Você poderá fazer uma caixa grande e guardar todos os objetos grandes! Será que é possível fazer caixas para acomodar objetos triangulares? Será que pode fazer uma caixa hexagonal? E em formato de pirâmide? E será que dá para fazer uma caixa com outro tipo de papel, em vez de papelão? E com plástico flexível? E as cores? Sim, de todas as cores e texturas que imaginar. Com compartimentos, com música, de madeira! Enfim, agora você sabe o processo e pode aprimorar-se cada vez mais e fazer caixas cada vez mais interessantes a serviço da sua necessidade.
Mensagem do exercício: dominar o processo faz com que ampliemos o nosso repertório de possibilidades.
Assim, também entendo que conhecer o processo que utilizamos ao pensar amplia a qualidade dos nossos pensamentos. Foi isso que aprendi. Vamos ao processo do pensar, então.
Ao sermos colocados diante de um problema ou situação nova, somos convidados a pensar.
Somos convidados a observar com atenção a situação, captando e selecionando aquilo que ela pode nos oferecer para solucionar o problema. A observação é muito mais que “ver com os olhos”, é perceber com todos sentidos possíveis: além das imagens visuais, os sons, os cheiros, as texturas, os sabores. E incluo aqui a intuição, que particularmente uso nesta etapa da observação. Todos os sentidos ficam a serviço dessa observação, capturando informações.
Talvez nesse momento as opiniões sobre muitos elementos de nossa observação comecem a aparecer. Estamos acostumados a querer ter opinião sobre tudo. Mas, o pensamento será melhor quando mais precisamente pudermos separar os fatos que observados, das opiniões sobre eles.
Podemos tentar reproduzir as observações descrevendo-as mentalmente, ou por escrito, ou oralmente. O registro organiza os detalhes apreendidos na observação.
Algumas coisas você reconhecerá e entenderá de imediato, porque comparou com seu repertório de conhecimentos e de experiências, checou semelhanças e diferenças entre aquilo que observou e o que já sabe. Outras coisas, você não poderá reconhecer e serão registradas por você como novas.
Sem que você precise decidir, a categorização dos elementos observados já se iniciou. Toda observação será classificada dentro de algum critério que você mesmo julgou conveniente, seja um critério temporal, por assunto, cultural, estético. Quanto melhor o pensamento, mais critérios aparecem e mais classificações podem ser realizadas e novas perspectivas alcançadas.
Uma enxurrada de ideias começa a brotar de todos os lados. Ideias que nascem com as interpretações que você faz desse conjunto de informações que surgiram da sua observação, da sua descrição, da sua comparação, da sua classificação.
A necessidade de organizar, separar aquilo que julga relevante, começa a se formar. Tudo é pertinente, mas você deseja ficar com aquilo que é realmente relevante para o seu propósito.
É preciso sintetizar suas ideias para responder o problema ou simplesmente se posicionar diante da situação.
Talvez, as coisas não aconteçam nessa sequência ou com todas as etapas descritas, mas essas são algumas das nossas ações quando pensamos.
Nós:
- Observamos (com todos os sentidos). Significa que capturamos informações.
- Descrevemos (oralmente, mentalmente, por escrito). A descrição ajuda a captar mais detalhes da observação.
- Comparamos (buscamos semelhanças e diferenças) daquilo que observamos com aquilo que já sabemos. Isso nos permite aplicar estratégias já conhecidas para lidar com a nova situação ou buscar uma nova.
- Classificamos, segundo algum critério, o conjunto de informações obtido. Quanto mais critérios, mais ampla será nossa compreensão daquela situação.
- Interpretamos as informações segundo nossa experiência de vida, conhecimentos adquiridos e percepções.
- Sintetizamos todas as ideias, informações, interpretações que surgiram desse processo, selecionando aquilo que é relevante para termos uma posição.
Também são possíveis outras ações quando pensamos. Mas essas foram as primeiras que descobri com a professora Reiko. Ela me treinou em cada uma dessas ações com bastante profundidade, usando como pano de fundo as ciências, que era nossa área comum e na qual escrevíamos projetos de educação. Esse treino me ajudou a escrever minha tese de doutorado com muito mais clareza. Mas, com o tempo, percebi que, independentemente, da situação que vivia no trabalho, na rua, vendo um filme ou num almoço de domingo com a família, lá estava eu observando, descrevendo, comparando, inferindo, interpretando etc. etc. etc. Eu tinha entendido o processo. Assim como o construtor de caixas. Minhas caixas ficaram mais interessantes, mais versáteis e mais bonitas.
Eu, juntamente com o grupo RIA, acreditamos que seja possível apresentar os conteúdos escolares para as nossas crianças e jovens numa estrutura que fortaleça as ações do pensar. Isso que chamamos de Educação para o “pensar”. Isso que aprendi com a professora Reiko Isuyama.
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