Errando é que se aprende. Será mesmo?
Você já deve ter ouvido a frase: "É errando que se aprende". Mas, como isso funciona? Como consigo aprender algo a partir de um erro? E como esse ditado popular é aplicado nas práticas didáticas de nossas escolas e faculdades?
Ao pensar em minha vida de estudante, lembro-me de que sempre era cobrada para fazer as coisas certas, seja na lição de casa, na apresentação de um trabalho ou ao responder a uma pergunta feita pelo professor ou professora. Mesmo entre os estudantes, havia esse tipo de cobrança, pois os colegas poderiam rir e fazer piadas de alguém que cometesse um erro. Afinal, o bom aluno era aquele que fazia tudo certo. Como eu queria ser uma boa aluna, me esforçava muito para não cometer erros, para sempre acertar.
Claro que isso não funciona somente com a minha força de vontade. Os erros são inevitáveis, pois errar é humano. Quando errava, me sentia muito mal. Se eu tirasse uma nota baixa, aceitava que era necessário me esforçar mais para recuperar!
Ao entrar na faculdade para cursar Física, as coisas não mudaram muito. Na verdade, a cobrança sobre a necessidade de acertar aumentou, tanto entre os professores quanto entre os alunos. Ficamos viciados em acertar! Mesmo nas atividades experimentais. Escrevíamos relatórios mostrando que as constantes físicas foram medidas com uma precisão incrível e os gráficos obedeciam perfeitamente às teorias. A parte mais difícil desses relatórios, pelo menos para mim, era justificar os erros de medida. Eu nunca sabia o que escrever, o que afinal poderia ter dado errado se fizemos tudo certo?
Uma das experiências que fiz na faculdade foi verificar o empuxo exercido pela água sobre um pequeno peso de balança de alguns gramas. Tínhamos que prender esse peso ao braço de uma balança muito sensível. Ao mergulhar o peso na água, as medidas seriam feitas e mais um relatório seria entregue. Porém, eu deixei o peso e o braço da balança caírem na água. O terror dos terrores, as medidas do meu grupo ficaram muito ruins, muito distantes do valor calculado com a fórmula apropriada. Eu fiquei boa parte desse dia no laboratório, até fazer as medidas corretas para produzir o relatório. E, depois desse acidente, entre alguns de meus colegas, ganhei a reputação de ser um desastre nas atividades experimentais. Por isso, o meu papel nas futuras aulas de laboratório restringira-se a anotar os dados. Tornei-me uma secretária, e não parte do grupo de cientistas!
Eu só passei a lidar bem com o erro, aceitar que ele é inevitável e que ele se torna uma grande oportunidade de aprendizado quando me tornei aluna de doutorado. Para você que não está familiarizado, o doutorado vem depois da faculdade e do mestrado. Quando entrei no doutoramento, eu tinha 24 anos. Foi então que comecei a perceber, com a ajuda de meu orientador, e mais tarde com o trabalho e a orientação da professora Reiko, que o erro não precisava ser desmotivador e assustador. Mas como isso é possível? Não aceitando a nota baixa para recuperar depois, mas, sim, pensando nesse engano e tentando resolver o problema. Responder algumas perguntas me ajudou nesse processo:
* Qual foi a causa do erro?
* Como posso resolvê-lo?
* O que ainda tenho que aprender para tentar a solução?
* Quem pode me ajudar com em minha dificuldade?
Hoje, sou professora de Matemática e Estatística para alunos em uma faculdade, e convivo com estudantes de 18 a 50 anos, todos com diferentes personalidades e histórias de vida. Apesar dessa diversidade, percebi que muitos deles também têm medo de cometer erros. Esse receio muitas vezes os impede de participar da aula, seja questionando ou respondendo a uma pergunta. Acredito que um dos piores aspectos dessa fobia é não permitir que os alunos pensem com autonomia, o que pode desestimulá-los. Afinal, como é possível ser inteligente e capaz de aprender se eu cometo tantos erros?
Mas para que o erro seja uma ferramenta de aprendizado, acredito que, durante a aula, é importante oferecer aos alunos a oportunidade de resolver um exercício sozinhos. Durante a condução da correção, costumo perguntar como devo começar a minha resolução e o que eu devo fazer a cada etapa, até chegar à resposta final. Toda a descrição do exercício é anotada na lousa. Nesse processo, não os interrompo para corrigir algum erro que tenha percebido, sigo as instruções dos alunos até o final. Evito também falar a eles se a resposta está certa ou errada. Neste processo, caso haja erros, eu tenho duas preocupações, uma é descobrir onde eles ocorrem, outra é tentar entender porquê eles foram cometidos.
Por exemplo, percebi que alguns alunos têm dificuldades para entender um problema que envolva a leitura de um pequeno texto. Isso pode acontecer por diferentes razões, como o aluno não compreender alguma palavra do texto ou não conseguir relacionar corretamente a pergunta a um dos assuntos estudados, não saber identificar os dados que precisam ser usados ou mesmo não ter lido todo o texto. Para eu entender qual seria a dificuldade, faço algumas perguntas:
* Em que parte do texto está sendo feita uma pergunta?
* Vocês entenderam a pergunta? O que precisamos calcular?
* O que vocês conhecem que pode ser usado para resolver esse problema?
* O que vocês ainda precisam aprender para resolver esse problema?
* Quais são os dados que aparecem no texto?
* Quais dados são necessários para resolver o problema pelo método escolhido?
Assim, tento ajudá-los a pensar no que deu errado e como podemos buscar a solução, trabalhando como equipe.
Eu percebo que, com o tempo, os alunos ficam mais cuidadosos com suas atividades e atentos a alguns detalhes que antes não achavam importantes. Algumas vezes, é possível perceber que eles se sentem a vontade e prestigiados quando corrigem um erro que eu tenha cometido, seja o resultado de um cálculo, ao escrever uma resposta dada por eles ou mesmo quando cometo erros de português. Sempre agradeço as correções, pois, se errar é humano, a professora também erra. Mas só de vez em quando!
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