“Brasil, pátria educadora”
Hoje em dia fala-se muito em educação, novos métodos, novas ideias, nova base curricular nacional e até mesmo o governo proclama o bordão “Brasil, pátria educadora”. Mas, além de uma pobreza educacional e cultural imensa, que se espalha desde o trabalhador rural nos confins do país até a nossa elite política, o que mais vemos no dia a dia nas escolas e nas ruas?
Vemos jovens ligados na internet o tempo todo, em redes sociais ou em jogos. Nas ruas, no transporte coletivo ou em outros locais parece que todas as pessoas passaram a depender desse mundo cibernético. Nem sempre esses jovens, muitos dos quais frequentam nossas escolas, estão fazendo uso do lado informativo da tecnologia. Na maioria das vezes, estão ligados apenas em futilidades.
Como trazer este jovem aluno para o estudo? Como educar um jovem altamente estimulado pela internet e pelo comportamento hedonista atual, levando-o a ler um livro, “ligar-se” em novas ideias e tecnologias, mas não de forma superficial, e sim de forma a procurar, perguntar, entender, pensar além?
Houve enorme avanço científico e social no último século. Eu me pergunto se isso não gera um fator de alienação na população. As pessoas usam computadores, mas mal compreendem como essa máquina funciona. Como entender que um garoto possa inventar um aplicativo e tornar-se milionário de um dia para outro? Como entender todas essas máquinas e esse mundo em ebulição, onde a globalização da informação afeta inclusive os comportamentos sociais? É importante que as pessoas tenham um mínimo de entendimento, pois cada cidadão deverá opinar ou decidir sobre assuntos como, o uso da energia nuclear, problemas com o meio ambiente, sobre novos tratamentos médicos ou novos remédios. Não há real evolução de um povo, tanto do ponto de vista social como tecnológico, se ele não compreender e não tiver consciência dos avanços da ciência e do comportamento humano, ou se esse conhecimento for de posse de apenas um grupo de pessoas. Como propagar educação e cultura num país com índices educacionais tão baixos como no Brasil?
O mundo deverá continuar a se transformar rapidamente e com muito mais informação, tanto no que se refere à quantidade como à qualidade do conhecimento humano. Portanto, é necessário renovar métodos e ideias ao pensar em ensino em larga escala, mas o que falta para a educação, para diminuir a alienação, para trazer o jovem para o estudo e a cultura, é um “clique”! Que clique é esse?
Como professor, presenciei muitos alunos com dificuldades. Por exemplo, podemos falar de um aluno não interessado, distante do estudo e da leitura, que em geral é classificado como sem foco ou fraco. E esse comportamento também vale para qualquer pessoa alienada do mundo atual. Para mudar esse quadro, o educador deve ir trabalhando, convivendo, conversando com o aluno e, de repente: “Clique”, observa-se um brilho nos olhos! Esse aluno começa a se interessar, a ler, a pensar, a ter um foco no que pretende fazer.
O caminho para o clique começa na educação familiar, não está na inovação, mas sim no contato humano. A educadora Reiko Isuyama, com quem tive a oportunidade de trabalhar, dizia que a personalidade de uma criança está formada aos cinco anos de idade. Nesse sentido, os pais são os primeiros e maiores responsáveis por ensiná-la a perguntar, descobrir e pensar. Evidentemente, num país como o nosso, nem sempre os pais tem o conhecimento ou o tempo para despertar no filho a vontade de observar e pensar, e abrir o caminho para o “clique” de descobrir e entender o mundo em que vivemos. A tarefa passa então para o professor. Ele encara salas de aula lotadas, corre de um lado para outro, pois mantém uma carga horária de trabalho enorme para sobreviver e, muitas vezes, enfrenta a falta de conhecimento, o que complica a evolução do “clique”, já que ele deve ser alimentado regularmente, abrindo o horizonte do estudante.
A Profª. Reiko dedicava seu tempo a cada criança e cada professor, conversava e ouvia cada uma delas, preparava suas aulas sem pressa, sempre procurando focar no que é importante transmitir, e descobria em cada um como produzir o “clique”. Não há dúvida que isso exige um grande esforço por parte do educador. Todos os bons alunos que conheci ou com quem trabalhei, tiveram sempre pais, professores ou até amigos que despertaram o “clique” no estudante. Aquela coisa de admirar a vida, de perguntar, de querer saber mais, de pensar. Em geral, eles não usaram métodos novos ou ideias geniais, eles apenas foram pessoas que tinham habilidade de pensar, raciocínio lógico e sensibilidade. Já vi alunos universitários pouco aplicados e que, num dado momento, despertados por alguma experiência ou por um professor, se tornaram bons alunos. Dessa forma, sou conservador em relação à educação, podemos e devemos inovar na forma de educar, mas nada irá substituir o contato humano, a percepção de descobrir o que irá fazer os olhos do aluno brilhar, e de poder reforçar essa sensação dia após dia.
Para que isso funcione, nós precisamos de salas de aulas com menos alunos, tempo suficiente para poder conversar com cada um deles e professores com um conhecimento profundo do conteúdo. Pois esse novo aluno que está ligado na internet tem muita informação, que boa ou má, será usada para contestar ou não o que o professor está falando.
Recordo vagamente do trecho de um livro do escritor Umberto Eco, em que o filho se dizia interessado por alguma revista fútil e o pai fala que o único interesse daquela revista era vender. Não me lembro de detalhes da história, mas o argumento do pai era simples; a frase era curta, direta e objetiva. O filho passa a pensar: “Será isso mesmo?” Tanto quanto me lembro, o personagem nunca mais se interessou por aquele tipo de revista. Usar a frase certa, um argumento forte, indicar um foco claro, exige muita observação, experiência e sensibilidade, o que pode ser uma grande exigência para um professor, mas é o caminho, acima de qualquer método, para se levar um estudante a pensar.
Adriano Natale
Professor universitário (IFT-Unesp e UFABC). Criou o programa de divulgação científica “Física ao Entardecer” que já foi classificado como evento “Folha SP”, editor e autor de livros de divulgação científica (ex.: A ciência dos videogames”), trabalhou com Reiko Isuyama em projetos de educação.
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